
Apresentação
Por Dra. Ana Igansi
A adoção é uma das mais belas expressões do Direito à vida em comunidade. É o gesto que transforma o afeto em vínculo jurídico, e o vínculo jurídico em herança emocional.
No Brasil, contudo, o caminho entre o desejo de amar e o direito de pertencer ainda se faz longo, burocrático e, por vezes, doloroso. São processos que exigem não apenas documentos, mas paciência, empatia e fé, atributos que nem sempre constam nos autos, mas definem o destino de uma criança.
Ao longo de minha trajetória profissional, encontrei histórias que nasceram de lutos e se refizeram em lares. Casais que esperaram anos por uma certidão de nascimento que dissesse “filho”. Crianças que aprenderam a sorrir de novo porque alguém as chamou pelo nome. Cada uma dessas histórias reafirma que o amor, quando amparado pela lei, torna-se também um instrumento de cidadania e de justiça.
Este livro nasce, portanto, do encontro entre a técnica e a ternura. Da certeza de que o Direito, quando humanizado, cumpre sua missão social de proteger os vulneráveis e restituir dignidade.
Abordaremos aqui, com rigor jurídico e sensibilidade, os fundamentos constitucionais e legais da adoção nacional e internacional, desde o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), a Constituição Federal de 1988, até os tratados internacionais que o Brasil ratificou, como a Convenção da Haia de 1993, sobre cooperação internacional em matéria de adoção.
Mas iremos além das leis. Falaremos também do pertencimento, palavra que Clarice Lispector chamaria de “silêncio habitado”, e que Viktor Frankl definiria como o sentido que nos permite continuar. Porque, mais do que um ato jurídico, adotar é um ato existencial, é conceder a outro ser humano a possibilidade de escrever uma nova história de amor.
Ao leitor, convido à reflexão, ao conhecimento e à emoção. Que este e-book sirva como instrumento de orientação, mas também de esperança. Que possa inspirar famílias, profissionais do Direito, psicólogos, assistentes sociais e cidadãos comuns a compreenderem que toda criança tem direito a uma origem, ainda que ela seja reescrita pela vida.
Dra. Ana Igansi
Advogada – OAB/RS 33356
Autora e pesquisadora em Direitos Humanos e Cidadania
Introdução
A adoção, no Brasil, deixou de ser um ato de caridade para se tornar um ato de cidadania, expressão concreta do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88).
Mais do que um procedimento legal, ela simboliza o reencontro entre o Direito e a afetividade, entre a Justiça e a vida real.
A trajetória histórica
Durante séculos, a adoção foi compreendida sob um viés patrimonial: o desejo de perpetuar o nome da família ou garantir a sucessão de bens. Era um instituto voltado ao interesse do adulto, não da criança.
Somente com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) o Brasil passou a adotar o paradigma da proteção integral, reconhecendo a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, e não como objetos de tutela.
Esse avanço civilizatório consolidou um novo olhar: o de que toda criança tem direito a crescer em um ambiente de amor, respeito e pertencimento, ainda que esse laço não seja biológico.
A base constitucional e internacional
A Constituição Federal de 1988 consagrou a família como núcleo essencial da sociedade, reconhecendo sua pluralidade e assegurando a igualdade de direitos entre filhos biológicos e adotivos (art. 227, §6º).
Além disso, reafirmou o dever solidário entre família, sociedade e Estado na proteção da infância.
No cenário internacional, o Brasil é signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989) e da Convenção de Haia (1993), instrumentos que reforçam a prioridade absoluta da criança e do adolescente em qualquer decisão judicial.
Esses tratados consolidam o princípio da subsidiariedade da adoção internacional, ou seja, o acolhimento em território estrangeiro só deve ocorrer quando não houver possibilidade de colocação da criança em família brasileira.
Uma reflexão humanista
Como afirmou Hannah Arendt, “a responsabilidade é o preço da liberdade”. A adoção é, em essência, um ato de responsabilidade perante o outro, um compromisso com a liberdade e a dignidade de um ser em formação. A lei pode registrar o vínculo; mas apenas o afeto o sustenta.
A prática forense demonstra, porém, que o processo ainda é permeado por entraves burocráticos, preconceitos e lacunas sociais. Milhares de crianças aguardam por um lar, enquanto famílias esperam por anos para poder amar legalmente. Esse desencontro entre o desejo e o sistema é o que exige, de nós operadores do Direito, uma leitura mais humana e uma atuação mais propositiva.
Adoção além das fronteiras
Quando o amor cruza fronteiras e um estrangeiro deseja adotar uma criança brasileira, o processo torna-se ainda mais complexo, envolvendo cooperação internacional, controle consular e o respeito aos tratados multilaterais.
Nesse contexto, o papel da Autoridade Central Federal Brasileira (ACAF) e das Autoridades Centrais Estaduais é essencial para garantir que a adoção internacional se realize com segurança jurídica e ética, preservando o melhor interesse da criança.
Trata-se de um terreno sensível, onde se cruzam a soberania nacional, a solidariedade entre os povos e o direito humano ao lar.
O direito de pertencer
Como escreveu Viktor E. Frankl, “quem tem um porquê, enfrenta qualquer como”.
A criança adotada encontra em seu novo lar esse “porquê”: a razão de existir em um mundo que, por vezes, a havia esquecido.
E o Direito, quando corretamente aplicado, transforma-se em ponte, não apenas entre países, mas entre almas.
A presente obra pretende, portanto, iluminar os caminhos jurídicos da adoção, aproximando-os da ética, da literatura e da vida real, para que possamos compreender que pertencer é um direito humano essencial, e que todo lar nascido do amor é, também, um ato de justiça.
Capítulo 1 – Adoção sob a Ótica Constitucional e Internacional
Entre a Dignidade Humana e o Direito de Pertencer
A adoção, no ordenamento jurídico brasileiro, não é mera alternativa à filiação biológica: é expressão da dignidade humana e instrumento de efetivação do direito fundamental à convivência familiar, consagrado na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O Estado brasileiro, ao reconhecer a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, assumiu o compromisso de assegurar-lhes, com absoluta prioridade, o desenvolvimento pleno em ambiente de afeto, segurança e solidariedade.
1.1 Fundamentos constitucionais da adoção
O art. 227 da Constituição Federal é o alicerce da política de proteção integral, ao determinar:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”
Essa redação consagra três princípios fundamentais:
- A proteção integral: reconhece a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, titulares de cidadania plena.
- A prioridade absoluta: impõe ao Estado e à sociedade o dever de agir de modo preferencial em favor da infância.
- O direito à convivência familiar: compreendido não apenas como presença física, mas como espaço afetivo e simbólico de construção da identidade.
Além disso, o §6º do mesmo artigo estabelece que:
“Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”
Trata-se da ruptura definitiva com a distinção entre filhos “legítimos”, “ilegítimos” ou “adotivos”. O vínculo jurídico, uma vez constituído, é pleno e irrevogável, garantindo igualdade sucessória, nome e proteção integral.
1.2 Adoção e a dignidade da pessoa humana
O princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88) é o eixo que sustenta toda a estrutura normativa da adoção.
Como destaca Maria Berenice Dias (Manual de Direito das Famílias, 2023),
“adotar é permitir que o afeto ganhe forma jurídica; é a consagração do amor sob o amparo da lei”.
A dignidade, aqui, não é conceito abstrato, mas concretização da liberdade de ser, de amar e de pertencer.
O ato de adotar transforma-se, assim, em um gesto de reconhecimento da humanidade do outro e, por isso mesmo, em uma forma de justiça restauradora.
1.3 O diálogo com o Direito Internacional dos Direitos Humanos
A Constituição brasileira, em harmonia com o art. 5º, §2º, admite a incorporação de tratados internacionais de direitos humanos ao ordenamento interno.
Entre os mais relevantes à temática da adoção estão:
a) Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989)
Ratificada pelo Brasil em 1990, essa Convenção estabelece que:
“Toda criança tem direito a ser criada por seus pais, salvo se isso for contrário ao seu bem-estar, e, quando necessário, a ser colocada em ambiente familiar substituto que assegure sua proteção e desenvolvimento.”
O instrumento internacional reforça a ideia de que o interesse superior da criança deve prevalecer sobre qualquer interesse particular ou burocrático.
Ele fundamenta a exigência de que toda decisão sobre adoção seja orientada pela ética do cuidado.
b) Convenção de Haia Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional (1993)
Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 1, de 14/01/1999, e promulgada pelo Decreto nº 3.087/1999, a Convenção de Haia regula as adoções internacionais, estabelecendo mecanismos de cooperação entre os países signatários.
Seu principal objetivo é evitar o tráfico e a exploração de menores, garantindo que a adoção entre países ocorra com segurança jurídica e respeito ao melhor interesse da criança.
Entre seus princípios, destacam-se:
- O reconhecimento da adoção internacional como medida subsidiária à adoção nacional;
- A exigência de autoridade central em cada país para acompanhar e autorizar o processo;
- A obrigatoriedade de avaliação prévia da idoneidade dos adotantes estrangeiros;
- O respeito à identidade cultural e familiar da criança.
Assim, o Brasil atua em consonância com uma rede internacional de proteção, que vê na adoção um ato de solidariedade entre povos — mas nunca um instrumento de desigualdade ou mercantilização da infância.
1.4 O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
O ECA (Lei nº 8.069/1990), em seus arts. 39 a 52-D, regulamenta o processo de adoção, consolidando os princípios constitucionais e internacionais.
O art. 39, §1º, estabelece:
“A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes naturais, salvo os impedimentos matrimoniais.”
Em outras palavras, a adoção é irrevogável e total, a criança deixa de pertencer juridicamente à família biológica, integrando-se plenamente à nova família.
O ECA ainda assegura:
- O direito de conhecer a origem biológica, resguardado o sigilo legal;
- A necessidade de estudos psicossociais e jurídicos;
- O acompanhamento por equipe técnica da Vara da Infância;
- A prioridade do Cadastro Nacional de Adoção (CNA);
- A fiscalização do Ministério Público, como fiscal da lei.
1.5 O princípio da subsidiariedade e o papel da adoção internacional
A adoção internacional é medida excepcional.
O art. 51 do ECA prevê que ela somente será admitida quando esgotadas as possibilidades de colocação da criança ou adolescente em família brasileira, o que se alinha ao princípio da subsidiariedade previsto na Convenção de Haia.
Esse princípio é ético e jurídico: protege a criança de ser deslocada culturalmente, garantindo que sua adoção no exterior ocorra apenas quando estritamente necessária e devidamente supervisionada pelo Estado brasileiro.
A atuação da Autoridade Central Federal Brasileira (ACAF) e das Autoridades Centrais Estaduais (ACEA) é essencial nesse controle, evitando que o amor internacional se converta, inadvertidamente, em violação de direitos.
1.6 Doutrina e jurisprudência
A jurisprudência brasileira tem reafirmado o caráter humanitário e constitucional da adoção.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem consagrado entendimento, conforme o texto abaixo transcrito:
“A adoção não pode ser vista como ato de mera benevolência, mas como instituto de natureza jurídica e social, destinado a garantir o direito da criança à convivência familiar, conforme os princípios constitucionais da dignidade e do melhor interesse.”
Doutrinadores como Paulo Lôbo (Direito Civil – Famílias, 2021) reforçam que:
“O instituto da adoção deixou de ser um privilégio do adotante para se converter em direito do adotado, expressão da cidadania infantojuvenil.”
1.7 Em resumo:
Sob a ótica constitucional e internacional, a adoção é o encontro entre o Direito e o amor com responsabilidade.
A lei garante o vínculo, o Estado fiscaliza, mas é o afeto que legitima.
A adoção internacional, por sua vez, traduz o ideal de uma humanidade solidária, povos diferentes unidos por um mesmo compromisso ético: oferecer um lar, um nome e um futuro.
Como ensinou o jurista Norberto Bobbio, “a era dos direitos é também a era das responsabilidades”.
E talvez não haja responsabilidade mais sublime do que a de transformar uma criança sem lar em filho do mundo.
Capítulo 2 – O Processo de Adoção no Brasil
Do desejo de amar ao reconhecimento jurídico da filiação
Adotar é um gesto que nasce no coração, mas precisa do amparo da lei para florescer em segurança.
No Brasil, o processo de adoção é regulado pelos arts. 39 a 52-D do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) e pelos arts. 1.618 a 1.629 do Código Civil.
Essas normas definem não apenas o rito processual, mas também os valores éticos e sociais que o sustentam: a proteção integral, o melhor interesse da criança e o princípio da dignidade humana.
2.1. Natureza jurídica da adoção
A adoção é um ato jurídico complexo e solene, dependente de sentença judicial, que cria entre o adotante e o adotado vínculo de filiação civil plena.
Conforme dispõe o art. 39, §1º, do ECA:
“A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes naturais, salvo os impedimentos matrimoniais.”
Trata-se, portanto, de filiação civil igualitária, sem qualquer distinção entre filhos biológicos e adotivos, um reflexo direto do art. 227, §6º, da Constituição Federal, que veda qualquer forma de discriminação.
2.2. Requisitos do adotante
Segundo o art. 42 do ECA, podem adotar:
- Maiores de 18 anos, independentemente do estado civil;
- Desde que respeitada a diferença mínima de 16 anos entre adotante e adotado;
- Em caso de casal, é exigida estabilidade familiar (casamento civil ou união estável comprovada).
O dispositivo reforça que a adoção não é privilégio da estrutura tradicional de família, mas expressão do afeto e da responsabilidade, podendo ser requerida também por pessoas solteiras, viúvas ou divorciadas.
A Doutrina como ensina Silvio de Salvo Venosa (Direito Civil – Família, 2023):
“O Estado não impõe modelo familiar para o amor. Importa que o adotante possua maturidade e estrutura emocional para acolher, cuidar e educar.”
2.3. Requisitos do adotando
O art. 40 do ECA estabelece que podem ser adotadas:
- Crianças e adolescentes menores de 18 anos, cujos pais sejam falecidos, destituídos ou tenham consentido expressamente na adoção;
- Excepcionalmente, maiores de 18 anos, desde que o processo tenha sido iniciado antes dessa idade.
A adoção de menores requer, portanto, a prévia destituição do poder familiar, assegurando a legalidade e a proteção da criança contra situações de abandono ou negligência.
2.4. A habilitação: o primeiro passo
Antes de adotar, é indispensável que o interessado passe pelo processo de habilitação, previsto no art. 50 do ECA.
Nessa fase, a Vara da Infância e Juventude realiza uma rigorosa análise técnica e social do pretendente, por meio de:
- Entrevistas com equipe interdisciplinar (psicólogos, assistentes sociais e pedagogos);
- Comprovação de idoneidade moral e ausência de antecedentes criminais;
- Avaliação de condições de saúde física e mental;
- Comprovação de estabilidade financeira;
- Participação obrigatória em curso preparatório para adoção, conforme Resolução nº 289/2019 do CNJ.
Ao final, sendo o candidato considerado apto, seu nome é incluído no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), que unifica e organiza as informações em todo o território nacional.
Doutrina de Maria Berenice Dias (2023):
“A habilitação não é um obstáculo, mas um ato de zelo do Estado. É o momento em que o amor se torna consciente, responsável e preparado.”
2.5. O estágio de convivência
Após a indicação da criança compatível com o perfil do adotante, o juiz autoriza o estágio de convivência (art. 46, ECA), período essencial de adaptação entre ambos.
A duração é variável conforme o caso, sendo acompanhada por relatórios técnicos elaborados pela equipe da Vara.
Durante esse período, o Ministério Público fiscaliza todo o processo, zelando pelo cumprimento do melhor interesse da criança e pela inexistência de qualquer forma de coação ou inadequação afetiva.
Este é o momento em que o vínculo afetivo se transforma em vínculo jurídico.
Como bem observa Viktor E. Frankl,
“Amar é ver o outro como ele é, e ainda assim escolher permanecer.”
2.6. A sentença de adoção
Concluído o estágio de convivência com parecer favorável da equipe técnica e do Ministério Público, o juiz profere sentença de adoção, extinguindo o processo de guarda provisória e constituindo o vínculo definitivo.
Essa sentença:
- É constitutiva (cria um novo estado civil);
- É irrevogável, salvo vício de consentimento ou fraude comprovada;
- Determina a lavratura de novo registro civil, com o nome do(s) adotante(s) e dos avós paternos e maternos, garantindo sigilo sobre a origem biológica (art. 47, ECA).
A partir desse momento, o adotado passa a ter todos os direitos e deveres de filho legítimo, inclusive sucessórios e alimentares.
Jurisprudência (STJ):
“A adoção é instituto de natureza jurídica e social, cuja finalidade não é satisfazer a vontade do adotante, mas assegurar o direito fundamental da criança à convivência familiar.”
2.7. O papel do Ministério Público e do Poder Judiciário
O Ministério Público atua como fiscal da lei (custos legis), garantindo que nenhum interesse secundário ou irregularidade comprometa o direito da criança.
Já o juiz da Infância exerce papel protetivo e pedagógico, devendo avaliar não apenas os documentos, mas as condições emocionais e sociais envolvidas.
Doutrina – Paulo Lôbo (2021):
“O juiz da infância é mais do que aplicador da lei: é o guardião da infância como valor ético e social.”
2.8. Adoção e o direito à origem
Mesmo após a adoção plena, o ECA assegura, no art. 48, o direito do adotado de conhecer sua origem biológica, desde que possua idade e maturidade suficientes para compreender essa informação.
Esse direito não é apenas informativo, mas existencial, um elo com a própria história.
“Ninguém se reencontra sem conhecer de onde partiu.”(Dra. Ana Igansi)
2.9. O tempo da criança e o tempo do processo
A morosidade é um dos grandes desafios da adoção no Brasil.
Enquanto milhares de crianças aguardam um lar, famílias esperam por anos na fila da habilitação.
Esse desencontro exige uma reflexão ética sobre a celeridade processual e a efetividade do princípio da prioridade absoluta.
Jurisprudência – STJ:
“Os prazos processuais devem ser interpretados à luz do princípio da proteção integral e da prioridade absoluta, evitando que o tempo biológico da criança seja comprometido pela lentidão estatal.”
2.10. Resumindo:
O processo de adoção é a tradução jurídica do amor responsável.
Cada etapa, da habilitação à sentença, é uma forma de garantir que o desejo de acolher se converta em proteção real, sem riscos, sem improvisos, sem arbitrariedade.
A lei não limita o amor: apenas o legitima e o torna duradouro.
Como ensina Clarice Lispector,
“Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.”
A adoção talvez seja esse “sem nome”: um ato de liberdade que cria raízes, de amor que se faz lei, e de justiça que se faz lar.
Capítulo 3 – Adoção Internacional: Quando o Amor Ultrapassa Fronteiras
Entre a soberania dos povos e o direito universal de pertencer
A adoção internacional é uma das mais delicadas expressões do Direito das Famílias Contemporâneo.
Ela une diferentes culturas, legislações e sentimentos sob um único princípio: o melhor interesse da criança.
No entanto, essa mesma complexidade exige vigilância redobrada, cooperação entre Estados e respeito absoluto à dignidade humana, valores que estão na base do Direito Internacional da Infância.
3.1. Conceito e natureza jurídica
O art. 51 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) define adoção internacional como:
“Aquela na qual o adotante ou ambos os adotantes possuem residência habitual fora do Brasil.”
Trata-se, portanto, de um ato jurídico internacionalmente regulado, que envolve:
- A legislação brasileira (ECA e Constituição Federal);
- A Convenção da Haia de 29 de maio de 1993;
- Os tratados de cooperação consular e civil;
- E a atuação coordenada entre Autoridades Centrais (nacionais e estrangeiras).
Diferentemente da adoção nacional, ela pressupõe controle internacional de legalidade e a comprovação de que todas as possibilidades de adoção dentro do território brasileiro foram previamente esgotadas, princípio da subsidiariedade.
Doutrina – Maria Berenice Dias (Manual de Direito das Famílias, 2023):
“A adoção internacional é expressão da solidariedade entre os povos, mas não pode jamais converter-se em instrumento de fuga da miséria ou tráfico humano. É medida excepcional, jamais regra.”
3.2. Fundamentos legais e constitucionais
A adoção internacional encontra fundamento direto na Constituição Federal de 1988, especialmente no art. 227, que assegura à criança o direito à convivência familiar, bem como na Convenção de Haia de 1993, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 3.087/1999.
Outros diplomas legais relevantes:
- Lei nº 8.069/1990 (ECA) – arts. 51 a 52-D;
- Código Civil – arts. 1.618 a 1.629;
- Resolução nº 289/2019 do CNJ – regulamenta o cadastro e o procedimento de cooperação entre países;
- Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989) – art. 21, que estabelece parâmetros éticos e jurídicos para a adoção transnacional.
Comentário – Paulo Lôbo (Direito Civil: Famílias, 2021):
“A adoção internacional é reflexo da globalização humanitária: a solidariedade sem fronteiras, amparada por um Direito que reconhece o pertencimento como valor universal.”
3.3. A Convenção de Haia e o princípio da subsidiariedade
A Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, firmada na Haia em 1993, é o marco regulatório mundial sobre o tema.
Ela surgiu para evitar abusos, fraudes e tráfico internacional de menores, garantindo que as adoções sejam conduzidas sob controle ético e judicial.
Os principais princípios da Convenção de Haia são:
- Princípio da Subsidiariedade: a adoção internacional só deve ocorrer quando esgotadas todas as alternativas de colocação da criança em família brasileira.
- Princípio da Cooperação Internacional: cada país deve manter uma Autoridade Central responsável por fiscalizar e comunicar-se com outros Estados.
- Princípio da Legalidade e Transparência: todos os atos devem ocorrer por via judicial e sob acompanhamento consular.
- Princípio do Melhor Interesse da Criança: toda decisão deve priorizar o bem-estar e o desenvolvimento integral do adotando.
3.4. Autoridades competentes e o papel da ACAF
No Brasil, a Autoridade Central Federal Brasileira (ACAF), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, é responsável por coordenar a política nacional de adoção internacional.
Ela atua em cooperação com as Autoridades Centrais Estaduais (ACEA), vinculadas às Corregedorias dos Tribunais de Justiça.
Entre suas atribuições:
- Receber e avaliar os pedidos de adoção de estrangeiros;
- Certificar a habilitação dos adotantes conforme a Convenção de Haia;
- Coordenar a comunicação com o país de origem do adotante;
- Fiscalizar a execução do processo e o acompanhamento pós-adotivo.
Esse controle é o que garante que a adoção internacional não seja uma transação privada, mas um ato de soberania jurídica e ética do Estado brasileiro.
Doutrina de Guilherme Nucci (ECA Comentado, 2022):
“O controle estatal na adoção internacional é garantia da liberdade da criança, não restrição. Evita que o amor seja instrumentalizado pela desigualdade social entre países.”
3.5. Requisitos e procedimentos
O processo de adoção internacional segue, em essência, as mesmas fases da adoção nacional, acrescidas de etapas de cooperação e controle entre os países envolvidos.
- Habilitação dos adotantes estrangeiros
- O pretendente deve ser residente habitual em país signatário da Convenção de Haia;
- Passar por estudo psicossocial e jurídico em seu país de origem;
- Obter certificação de idoneidade e capacidade parental emitida pela autoridade central estrangeira;
- Enviar a documentação traduzida e legalizada à ACAF e à Vara da Infância brasileira competente.
- Inscrição e análise no Brasil
- A ACAF encaminha o dossiê à Autoridade Central Estadual (ACEA), que designa a Vara competente;
- O Ministério Público emite parecer;
- Havendo parecer favorável, o estrangeiro é incluído no Cadastro Nacional de Adoção Internacional.
- Estágio de convivência no Brasil
- O estágio de convivência ocorre em território nacional, com supervisão da Vara da Infância e relatórios técnicos;
- O prazo varia conforme o caso e a idade da criança.
- Sentença e registro
- Proferida a sentença de adoção internacional, esta produz efeitos imediatos, inclusive para fins de nacionalidade e cidadania;
- É lavrado novo registro civil, e o nome do adotante é inserido como pai/mãe legal.
- Acompanhamento pós-adotivo
- O país de acolhimento deve remeter relatórios periódicos sobre a adaptação da criança por, no mínimo, dois anos, conforme previsão da Convenção de Haia e das normas do CNJ.
3.6. O princípio do melhor interesse da criança
A adoção internacional somente se legitima quando atende ao melhor interesse da criança, expressão que transcende o plano jurídico para alcançar a dimensão ética.
Esse princípio orienta o juiz, o Ministério Público e todos os profissionais envolvidos.
Doutrina de Andréa Pachá (A Vida Não é Justa, 2012):
“Julgar processos de adoção é lidar com histórias interrompidas. O juiz não deve buscar a perfeição da família, mas o lugar possível do afeto.”
O melhor interesse não é o interesse do adulto em adotar, mas o direito da criança em ser amada e protegida.
3.7. Riscos, cuidados e desafios éticos
Embora a Convenção de Haia tenha reduzido drasticamente os casos de adoção irregular, ainda persistem riscos, como:
- Tráfico internacional de menores;
- Fraudes em registros;
- Adoções diretas sem intermediação judicial;
- Diferenças culturais e de idioma que afetam o vínculo inicial.
O Estado brasileiro deve, portanto, manter fiscalização constante e políticas públicas de prevenção à institucionalização, evitando que a adoção internacional seja uma solução para falhas sociais internas.
Comentário – Hannah Arendt (A Condição Humana, 1958):
“A responsabilidade é a outra face da liberdade.”
A adoção internacional, ao conceder liberdade a uma criança, impõe à humanidade a responsabilidade de cuidar dela.
3.8. Jurisprudência e aplicação prática
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou entendimento de que a adoção internacional deve observar rigorosamente a legalidade, sem jamais desconsiderar o fator humano.
“A adoção internacional é medida excepcional, sujeita ao princípio da subsidiariedade e ao controle das autoridades centrais, sendo imprescindível demonstrar que atende ao melhor interesse do adotando. (STJ)”
Em decisão paradigmática, o STJ também reconheceu a possibilidade de conversão de guarda internacional em adoção plena, desde que comprovado o vínculo afetivo e o interesse superior da criança.
3.9. Em síntese:
A adoção internacional é, antes de tudo, um ato de confiança entre nações e uma aliança entre corações.
Representa a vitória do amor sobre as fronteiras, da ética sobre a desigualdade e do Direito sobre o desamparo.
Quando o Brasil entrega uma criança a uma família estrangeira, não está apenas autorizando uma partida: está afirmando que o direito de pertencer é universal.
A pátria do amor é o lar onde há cuidado, e o verdadeiro idioma da infância é o afeto.
Reflexão final
“O mundo não será salvo por leis, mas por vínculos.”(Dra. Ana Igansi)
Capítulo 4 – O Papel do Estado e da Sociedade na Adoção
A responsabilidade compartilhada pela infância e o compromisso ético com o futuro
A adoção não é apenas um gesto individual de amor, é também uma expressão da função social do Estado e da consciência cidadã da sociedade.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, inaugura o paradigma da responsabilidade compartilhada: família, sociedade e Estado devem atuar de forma conjunta para assegurar à criança e ao adolescente o direito à vida, à dignidade e à convivência familiar.
Mais do que um dever legal, trata-se de um chamado moral.
Adotar, ou possibilitar que a adoção aconteça de forma ética e célere, é garantir o que Hannah Arendt chamaria de “direito a ter direitos”: o direito de cada ser humano a existir sob o abrigo da humanidade.
4.1. A tríplice responsabilidade constitucional
O texto constitucional não delega à família sozinha a tarefa de proteger a infância.
A criança é um bem jurídico de relevância pública e social, o que faz recair sobre o Estado e sobre todos os cidadãos o dever de zelar pela integridade física, emocional e espiritual de cada menor.
Art. 227, CF/88:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.”
Esse dispositivo consagra três dimensões complementares:
- Responsabilidade da família: o dever de criar, amar e proteger.
- Responsabilidade do Estado: o dever de garantir políticas públicas efetivas e celeridade processual.
- Responsabilidade da sociedade: o dever ético de apoiar, fiscalizar e promover a cultura da adoção responsável.
Doutrina – Paulo Lôbo (Famílias, 2021):
“O dever de cuidado é universal. Nenhuma criança é de ninguém; toda criança é de todos.”
4.2. O Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA)
Criado pela Resolução nº 289/2019 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) substituiu o antigo Cadastro Nacional de Adoção (CNA), unificando e modernizando as informações sobre crianças acolhidas e pretendentes à adoção em todo o país.
O SNA é administrado pelo CNJ e cumpre papel estratégico:
- Centraliza dados sobre crianças e adolescentes disponíveis para adoção;
- Integra cadastros estaduais e juízos da infância;
- Permite cruzamento automático de perfis de adotantes e adotandos;
- Garante transparência, celeridade e controle judicial.
Com essa ferramenta, o Brasil deu um passo importante rumo à concretização do princípio da prioridade absoluta e da proteção integral.
No entanto, a eficácia do sistema ainda depende de estrutura administrativa, formação técnica e vontade política.
Doutrina de Maria Berenice Dias (2023):
“O SNA é o mapa da esperança. Mas sem pontes reais entre o sistema e a vida, continuará sendo um banco de nomes e não de futuros.”
4.3. As políticas públicas de acolhimento e desinstitucionalização
O acolhimento institucional deve ser medida excepcional e temporária.
O art. 34 do ECA prevê que a prioridade é o acolhimento familiar, e que nenhuma criança deve permanecer em abrigo por mais de 18 meses, salvo comprovada impossibilidade de reintegração ou adoção.
Apesar disso, dados do CNJ indicam que milhares de crianças ainda vivem longos anos em abrigos, muitas vezes sem perspectiva de adoção, vítimas da lentidão processual e da ausência de políticas integradas.
É dever do Estado:
- Ampliar programas de famílias acolhedoras;
- Promover capacitação de equipes técnicas;
- Garantir acompanhamento psicológico contínuo;
- Incentivar campanhas públicas que desmistifiquem a adoção tardia, inter-racial e de grupos de irmãos.
Essas medidas não são atos de benevolência, mas de cumprimento da Constituição.
Comentário – Norberto Bobbio:
“O grau de civilização de um Estado se mede pela forma como trata os que não podem se defender.”
4.4. O papel do Poder Judiciário
O Poder Judiciário é o guardião da infância e juventude.
Sua missão não é apenas julgar, mas humanizar as decisões.
Ao magistrado cabe assegurar que o processo de adoção:
- Seja célere e sem burocracia desnecessária;
- Preserve a escuta da criança e sua vontade (art. 28, §1º, ECA);
- Garanta acompanhamento técnico e ético;
- Evite práticas discriminatórias ou privilégios.
Doutrina de Andréa Pachá (A Vida Não é Justa, 2012):
“Julgar casos de infância é decidir o futuro de um coração. O juiz precisa compreender o afeto para aplicar a lei.”
4.5. O papel do Ministério Público e da Defensoria Pública
O Ministério Público atua como fiscal da lei (custos legis), garantindo que os direitos da criança prevaleçam sobre qualquer interesse secundário.
Já a Defensoria Pública assegura acesso gratuito à Justiça para pretendentes à adoção de baixa renda e para mães que desejam entregar voluntariamente o filho à adoção, sem estigmas ou punição social.
Esse equilíbrio institucional é vital para que a adoção seja não apenas legal, mas justa e digna.
Comentário – Guilherme Nucci (ECA Comentado, 2022):
“A presença do Ministério Público e da Defensoria é a voz jurídica do silêncio das crianças.”
4.6. O papel da sociedade civil e das entidades de apoio
Organizações não governamentais, associações e grupos de apoio à adoção têm contribuído imensamente para a transformação cultural do tema.
Por meio de palestras, campanhas e encontros entre famílias, essas entidades ajudam a romper preconceitos e difundir a adoção como ato de amor consciente.
Iniciativas como a Semana Nacional da Adoção (Lei nº 12.010/2009) e os Grupos de Apoio à Adoção (GAAs) são exemplos de cidadania ativa, onde o conhecimento jurídico se alia à empatia social.
Doutrina – Viktor E. Frankl:
“O amor é a única forma de compreender plenamente outro ser humano. E é por meio dele que nos tornamos verdadeiramente responsáveis.”
4.7. Os desafios contemporâneos
Mesmo com avanços legais e tecnológicos, o Brasil enfrenta desafios estruturais:
- Adoções tardias ainda representam menos de 10% do total;
- Há resistência cultural à adoção de crianças com deficiência;
- Persistem entraves na integração entre Judiciário, Conselhos Tutelares e abrigos;
- Falta de políticas de prevenção ao abandono familiar e de apoio às gestantes vulneráveis.
Adoção não deve ser vista como “solução para o abandono”, mas como continuidade da proteção social.
Um Estado que adota é aquele que se responsabiliza por seus órfãos afetivos.
4.8. Reflexão
O processo de adoção é uma engrenagem que depende de todos: da lei, da ética e do amor.
O Estado é o guardião; a sociedade, a multiplicadora; a família adotante, o lar que concretiza o direito.
Enquanto houver crianças crescendo em abrigos, a Constituição ainda estará inacabada.
Proteger a infância é proteger o amanhã, é impedir que o futuro se perca no descuido do presente.
Reflexão final:
“Adoção não é caridade: é reparação.
É o Estado, a sociedade e o ser humano devolvendo a alguém o direito de ser amado.” (Dra. Ana Igansi)
Capítulo 5 – Obstáculos e Preconceitos na Adoção
O amor como resistência aos paradigmas da exclusão
Por trás das leis que protegem a infância, há corações à espera.
Mas, na prática, milhares de crianças e adolescentes continuam crescendo em abrigos, não por falta de famílias, mas por barreiras culturais, emocionais e sociais que ainda se erguem entre o desejo de adotar e o direito de ser adotado.
O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal consagram a igualdade, a dignidade e o melhor interesse da criança. Contudo, o preconceito, velado ou institucional, ainda atua como obstáculo silencioso à concretização desses direitos.
É nesse cenário que a adoção tardia, inter-racial, homoafetiva e de crianças com deficiência surge como um teste à maturidade ética da sociedade e à sensibilidade dos operadores do Direito.
5.1. O mito da “criança ideal”
Muitos pretendentes à adoção buscam perfis restritos: bebês recém-nascidos, saudáveis, brancos e sem irmãos.
Essa busca reflete, ainda, uma herança cultural e genética de idealização familiar, onde o amor é condicionado à aparência e à idade.
Enquanto isso, o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) mostra que a maioria das crianças disponíveis tem mais de 7 anos ou faz parte de grupos de irmãos, e são justamente as menos escolhidas.
Comentário – Maria Berenice Dias (2023):
“Adoção não é catálogo de sonhos. É acolhimento da realidade. O amor maduro sabe reconhecer beleza onde o abandono deixou cicatrizes.”
A Constituição não fala em perfis: fala em pessoas.
E cada criança, independentemente de cor, idade ou limitação, traz consigo um direito inalienável à convivência familiar.
5.2. Adoção tardia: o tempo que a lei não devolve
A adoção tardia, de crianças maiores ou adolescentes, é o maior desafio do sistema brasileiro.
A burocracia, aliada ao preconceito etário, cria um ciclo cruel: quanto mais o processo demora, menor se torna o interesse dos adotantes.
E, no entanto, os relatos mostram que adoções tardias frequentemente revelam vínculos profundos, conscientes e duradouros.
Essas crianças, já marcadas pela dor da perda, desenvolvem uma noção precoce de gratidão, empatia e pertencimento.
Doutrina de Andréa Pachá (A Vida Não é Justa, 2012):
“As crianças maiores não esperam um pai ou uma mãe: esperam alguém que as veja. O amor começa quando o olhar reconhece.”
Jurisprudência STJ:
“A idade não pode ser fator impeditivo à adoção, sob pena de afronta ao princípio da igualdade e ao melhor interesse do menor.”
O tempo da infância é curto, e o tempo da espera é devastador.
Por isso, acelerar a adoção tardia é um dever jurídico e moral do Estado.
5.3. Adoção inter-racial: o amor que transcende a cor
O Brasil, país miscigenado e plural, ainda convive com o preconceito racial dentro das estatísticas da adoção.
Pesquisas do CNJ revelam que crianças negras ou pardas têm menos chances de serem adotadas, embora representem a maioria nos abrigos.
Esse paradoxo revela o racismo estrutural que atravessa até mesmo os processos afetivos.
O Direito deve, portanto, enfrentar o racismo também como problema jurídico e institucional, garantindo políticas de conscientização e treinamento das equipes técnicas.
Comentário – Sueli Carneiro (Racismo, Sexismo e Desigualdade, 2011):
“A negação da cor é a negação da humanidade. Adotar uma criança negra é também adotar uma luta.”
Jurisprudência – TJSP, Apelação 1005232-56.2018.8.26.0576:
“Adoção inter-racial não pode ser obstada pela diferença de cor entre adotante e adotando, sob pena de violação ao princípio da dignidade e da igualdade.”
O amor não tem pigmento, e o pertencimento não conhece tonalidades.
5.4. Adoção homoafetiva: o direito ao amor plural
A adoção por casais homoafetivos é uma conquista histórica do Estado Democrático de Direito.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4277 e da ADPF 132 (2011), reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, garantindo-lhes os mesmos direitos e deveres das uniões heteroafetivas, inclusive o direito à adoção.
Jurisprudência – STF, ADI 4277:
“A orientação sexual não é fator de exclusão de direitos. O princípio da dignidade humana exige o reconhecimento jurídico da pluralidade familiar.”
Comentário – Paulo Lôbo (Famílias, 2021):
“A família homoafetiva é família constitucionalmente protegida. O amor, e não o gênero, é o elemento fundante da parentalidade.”
Além de direito jurídico, a adoção homoafetiva é um gesto político de inclusão.
Ela rompe séculos de silenciamento e reafirma o que o art. 3º da Constituição proclama: a erradicação do preconceito e a promoção do bem de todos.
Reflexão:
“O amor que ousa dizer seu nome é o mesmo que ousa proteger uma vida.”(Dra. Ana Igansi)
5.5. Adoção de crianças com deficiência ou doenças crônicas
Entre os perfis menos procurados estão os de crianças com deficiência física, intelectual ou doenças crônicas.
Ainda que o ECA, em seu art. 50, §13, estabeleça prioridade para esses casos, a realidade revela carência de adotantes e falta de preparo técnico nas equipes de acolhimento.
Comentário – Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil, 2022):
“A deficiência não é limitação para o amor, mas prova da capacidade humana de ressignificar a vida.”
A legislação brasileira é avançada: a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) assegura o direito à convivência familiar e comunitária, sem discriminação.
Mas, na prática, o preconceito ainda segrega.
Jurisprudência – STJ:
“Adoção de criança com deficiência deve ser tratada com prioridade absoluta, sob pena de violação ao princípio da igualdade e da dignidade humana.”
A verdadeira inclusão começa no colo.
5.6. O papel transformador do afeto
A superação dos preconceitos não virá apenas pela força das leis, mas pela reeducação emocional e social da sociedade.
Precisamos ensinar que o amor não é adjetivo; é verbo.
Que o vínculo não nasce do sangue, mas da escolha.
Viktor Frankl (Em Busca de Sentido, 1946):
“Tudo pode ser tirado de um homem, menos a última das liberdades humanas: escolher a própria atitude diante de qualquer circunstância.”
Adotar uma criança fora dos padrões esperados é, portanto, um ato de liberdade.
É escolher ver a beleza onde o mundo preferiu desviar o olhar.
5.7. Últimas Palavras
Adoção não é idealização, é encontro.
É o momento em que duas solidões se reconhecem e decidem caminhar juntas.
A superação dos preconceitos exige coragem jurídica e empatia humana.
Quando o Direito reconhece o amor sem rótulos, o mundo se torna mais justo.
E cada criança, independentemente de cor, idade, deficiência ou contexto, tem o mesmo direito sagrado: pertencer a um lar e ser amada em plenitude.
Reflexão final:
“Nenhuma lei é justa enquanto houver uma criança invisível.” (Dra. Ana Igansi)
Capítulo 6 – O Direito Comparado: Adoção em Outros Países e Lições para o Brasil
Entre culturas, leis e o mesmo direito de amar
O amor é universal, mas o modo de reconhecê-lo juridicamente varia conforme a história, a cultura e os valores de cada país.
No campo da adoção, essas diferenças se traduzem em modelos jurídicos, prazos processuais e concepções éticas distintas, porém, todos convergem em um mesmo ponto: o direito da criança a ter uma família.
Ao observar como outras nações estruturam seus sistemas de adoção, o Brasil pode aperfeiçoar suas práticas e reduzir a distância entre o afeto e a burocracia.
Como ensina Norberto Bobbio, “a humanidade progride quando o Direito se torna cada vez mais sensível ao sofrimento humano”.
6.1. França – O modelo da celeridade e do acompanhamento contínuo
A França é um dos países com legislação mais consolidada e célere em matéria de adoção.
A adoção plena (adoption plénière), prevista no Code Civil, cria vínculo irrevogável, rompendo todos os laços jurídicos com a família biológica, semelhante ao modelo brasileiro.
Já a adoção simples (adoption simple) preserva parte dos vínculos originais, sendo reversível em situações excepcionais.
O processo francês privilegia:
- Rapidez processual: com prazos médios de 8 a 12 meses;
- Estudos psicossociais rigorosos, realizados por equipes públicas especializadas;
- Acompanhamento pós-adoção obrigatório por até três anos.
Comentário – Philippe Malaurie (Droit Civil, Famille, 2022):
“A adoção, na França, é a consagração da igualdade entre os filhos do sangue e os filhos do coração.”
Lição para o Brasil: investir em equipes técnicas permanentes e capacitadas, reduzir prazos e garantir fiscalização continuada do vínculo após a sentença.
6.2. Itália – Adoção como ato de solidariedade e cidadania
A Itália, país de forte tradição católica, passou por uma transformação cultural ao incorporar o princípio do interesse superior da criança em sua Lei nº 184/1983, alterada pela Lei nº 149/2001.
O país diferencia:
- Adoção nacional (adozione nazionale): para crianças italianas;
- Adoção internacional (adozione internazionale): para estrangeiros habilitados, regulada pela Convenção de Haia.
Os tribunais italianos exigem:
- Curso preparatório obrigatório para candidatos;
- Idoneidade física, moral e emocional comprovada;
- Acompanhamento psicossocial contínuo antes e depois da adoção.
A Itália foi pioneira em reconhecer a adoção por casais homoafetivos, ainda que por meio de jurisprudência, com base no princípio da igualdade e da proteção integral.
Comentário – Stefano Rodotà (Il diritto di avere diritti, 2012):
“Adoção é o ato em que o Estado autoriza o amor a tornar-se direito.”
Lição para o Brasil: formalizar o caráter educativo da adoção, com cursos e programas de formação afetiva e jurídica para adotantes.
6.3. Portugal – Adoção com foco na afetividade e no tempo da criança
Portugal reformou profundamente sua legislação com a Lei nº 143/2015, modernizando o Código Civil e criando mecanismos para acelerar a adoção.
O país adota uma perspectiva centrada na afetividade, com o lema: “Toda criança tem direito a uma família, não o contrário.”
Principais características:
- Processo simplificado, com prazos reduzidos a 6 meses em média;
- Avaliação integrada das famílias por equipas multidisciplinares;
- Escuta obrigatória da criança, mesmo em tenra idade, valorizando sua percepção emocional;
- Adoção internacional altamente restritiva, priorizando a nacional.
Comentário – Jorge Duarte Pinheiro (Direito das Famílias, 2023):
“Adoção não é um ato de generosidade, mas de responsabilidade; não é concessão, é reconhecimento.”
Lição para o Brasil: valorizar a voz da criança e reduzir prazos de institucionalização, com acompanhamento judicial contínuo e humanizado.
6.4. Estados Unidos – Adoção descentralizada e comunitária
Nos Estados Unidos, o sistema é descentralizado, variando conforme o Estado federado, mas guiado por diretrizes federais do Child Welfare Information Gateway.
Adoções podem ser realizadas por meio de:
- Adoção pública (foster care): crianças retiradas de famílias em situação de risco;
- Adoção privada: mediada por agências licenciadas;
- Adoção internacional: supervisionada pelo Department of State.
O país destaca-se pela pragmaticidade e incentivo fiscal: famílias adotantes recebem benefícios financeiros e apoio psicológico para assegurar o êxito da integração.
Além disso, há forte estímulo à adoção tardia e de grupos de irmãos, com campanhas nacionais permanentes.
Comentário – Martha Fineman (The Autonomy Myth, 2004):
“Adoção é a reafirmação de que a dependência não é falha, mas condição humana compartilhada.”
Lição para o Brasil: criar programas de apoio financeiro e emocional aos adotantes, especialmente nos primeiros anos, e campanhas permanentes de adoção consciente.
6.5. O Brasil e o aprendizado das nações
O Brasil possui uma das legislações mais completas da América Latina, mas ainda carece de efetividade prática.
Enquanto países europeus e norte-americanos priorizam a agilidade, o acompanhamento pós-adoção e o apoio contínuo, o Brasil ainda enfrenta:
- Morosidade judicial;
- Falta de estrutura das Varas da Infância;
- Fragilidade na integração entre órgãos públicos e entidades sociais.
É preciso, portanto, aprender sem copiar, adaptando as boas práticas à realidade brasileira, sem perder o caráter humanista do ECA.
Nosso maior desafio não é reformar a lei, mas cumpri-la com celeridade, ética e amor social.
Doutrina – Paulo Lôbo (Famílias, 2021):
“A adoção é o encontro entre o afeto e a justiça. O Brasil já tem a lei; falta-lhe transformar o texto em abraço.”
6.6. Síntese do caminho
O Direito Comparado revela que, em diferentes línguas e códigos, há uma verdade que permanece a mesma:
toda criança precisa ser amada, e toda sociedade tem o dever de não permitir que a infância se perca.
A França ensina a celeridade;
A Itália, a solidariedade;
Portugal, a escuta sensível;
Os Estados Unidos, o apoio comunitário;
E o Brasil, quando olha para si com honestidade, aprende que o maior gesto de civilização é fazer do amor uma política pública.
Reflexão final:
“O que distingue as nações não é o idioma que falam, mas o cuidado que oferecem aos seus filhos.”(Dra. Ana Igansi)
Capítulo 7 – Doutrina e Jurisprudência: O Olhar dos Tribunais e dos Grandes Pensadores sobre a Adoção
Quando o Direito encontra o afeto e o transforma em justiça
A interpretação jurídica da adoção tem evoluído de forma expressiva nas últimas décadas.
O que antes era um ato formal e restrito, hoje é compreendido como instrumento de proteção integral e realização da dignidade humana.
Os tribunais superiores brasileiros vêm consolidando uma jurisprudência que humaniza o texto legal e reconhece a adoção como expressão máxima do amor jurídico.
Como ensina Viktor Frankl, “não somos livres de nossas circunstâncias, mas somos livres para lhes dar um sentido.”
O Judiciário, quando atua na seara da infância, faz exatamente isso: dá sentido à lei, libertando-a da rigidez e transformando-a em caminho de esperança.
7.1. A visão da doutrina contemporânea
A doutrina brasileira e internacional converge na compreensão de que a adoção é muito mais que um instituto civil; é uma política de proteção e inclusão social, baseada na ética da responsabilidade.
Maria Berenice Dias (Manual de Direito das Famílias, 2023):
“A adoção é o reconhecimento do amor sob o manto da legalidade. É o Estado conferindo forma jurídica ao afeto e garantindo à criança o direito de ser amada com segurança.”
Paulo Lôbo (Famílias, 2021):
“A adoção deixou de ser ato de caridade para se tornar ato de cidadania. A criança adotada não é objeto de benevolência, mas sujeito de direitos.”
Guilherme de Souza Nucci (ECA Comentado, 2022):
“A proteção integral é o eixo do Estatuto da Criança e do Adolescente. A adoção deve ser lida à luz da dignidade humana, da igualdade entre filhos e da prioridade absoluta da infância.”
Silvio de Salvo Venosa (Direito Civil – Família, 2023):
“A filiação não nasce do sangue, mas da convivência. A adoção é o instituto que mais revela o avanço civilizatório do Direito de Família contemporâneo.”
7.2. Princípios norteadores reafirmados pela jurisprudência
A jurisprudência brasileira tem sido orientada por princípios constitucionais que conferem base ética e jurídica à adoção.
a) Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
Reconhecido como fundamento da República (art. 1º, III, CF), é o pilar da adoção moderna.
Nenhum processo de adoção pode ignorar a dignidade do adotado e do adotante.
STJ: “A adoção é instituto de natureza jurídica e social, destinado à efetivação do princípio da dignidade humana, não podendo ser reduzido a mero procedimento formal.”
b) Princípio do Melhor Interesse da Criança
Inspirado na Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989) e no art. 227 da CF, garante que toda decisão deve priorizar o bem-estar físico e emocional do adotando.
STJ: “Adoção não é direito do adulto em ser pai, mas direito da criança em ser filha.”
c) Princípio da Igualdade entre Filhos
Previsto no art. 227, §6º da Constituição Federal, elimina qualquer distinção entre filhos biológicos e adotivos.
STF (Tema 622): “A filiação adotiva gera os mesmos direitos e deveres da filiação biológica, inclusive sucessórios, vedada qualquer diferenciação discriminatória.”
d) Princípio da Irrevogabilidade da Adoção
A segurança jurídica é elemento essencial da filiação.
Após o trânsito em julgado da sentença, a adoção é irrevogável, salvo fraude ou vício de consentimento.
STJ:“A irrevogabilidade da adoção protege o adotado contra o abandono jurídico, garantindo-lhe estabilidade afetiva e familiar.”
e) Princípio da Subsidiariedade da Adoção Internacional
Previsto na Convenção de Haia de 1993 e no art. 51 do ECA, determina que a adoção internacional só será admitida quando não houver pretendentes brasileiros habilitados.
STJ: “A adoção internacional é medida de exceção, condicionada à inexistência de pretendentes nacionais e à observância do interesse superior da criança.”
7.3. Jurisprudências paradigmáticas
A seguir, destacam-se julgados que marcaram a evolução da adoção no Brasil, decisões que ultrapassaram a letra da lei para alcançar a dimensão humana do Direito.
- Adoção homoafetiva – STF, ADI 4277 / ADPF 132 (2011)
Reconheceu a união estável homoafetiva como entidade familiar e garantiu a casais do mesmo sexo o direito à adoção.
“A orientação sexual não é fator de exclusão de direitos. O Estado não pode negar a parentalidade a quem é capaz de amar e proteger.”(Min. Ayres Britto)
- Adoção avoenga – STJ
Autorizou avós a adotar netos, desde que comprovado o melhor interesse da criança e a inexistência de vício de consentimento.
“A lei não proíbe o amor que a vida impôs como necessidade.”
- Adoção por pessoa solteira – STJ
Reafirmou que o estado civil não limita a capacidade de adotar.
“Ser mãe ou pai não é prerrogativa de um estado civil, mas de uma escolha responsável.”
- Adoção tardia – STJ
Determinou prioridade à adoção de adolescentes, enfatizando o tempo da infância como direito fundamental.
“A espera prolongada fere o princípio da prioridade absoluta e transforma a infância em tempo perdido.”
- Adoção internacional – STJ
Autorizou conversão de guarda internacional em adoção plena, diante da comprovação de vínculo afetivo consolidado.
“O vínculo emocional, quando verdadeiro, é a maior prova de legitimidade.”
7.4. A doutrina e o pensamento filosófico como fontes do Direito
A adoção é também um campo de reflexão ética.
Grandes pensadores e juristas convergem em um ponto: a justiça só é plena quando é compassiva.
Viktor E. Frankl
“O amor é a forma suprema de compreender outro ser humano em sua essência.”(Em Busca de Sentido)
Hannah Arendt
“A responsabilidade é o preço da liberdade.”(A Condição Humana)
Norberto Bobbio
“O reconhecimento dos direitos humanos não basta; é preciso transformá-los em prática viva.”(A Era dos Direitos)
Clarice Lispector
“Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.”(Perto do Coração Selvagem)
Esses autores inspiram uma leitura da adoção que transcende o formalismo jurídico, uma leitura que devolve sentido ao Direito e alma à Justiça.
7.5. Considerações finais
A doutrina e a jurisprudência mostram que o Direito da Adoção é mais do que um ramo da ciência jurídica, é um território de cura social.
Cada decisão judicial é uma assinatura no destino de uma criança; cada princípio aplicado, uma ponte entre o desamparo e o amor.
O desafio do operador do Direito é unir técnica e ternura, razão e empatia, letra e espírito da lei.
Quando o juiz compreende que julgar é cuidar, e o advogado entende que defender é acolher, o sistema de justiça se torna um verdadeiro lar.
Reflexão:
“O Direito é a forma mais nobre de dizer que ninguém deve ficar sozinho.”(Dra. Ana Igansi)
Capítulo 8 – O Lar que Nasce do Coração
Reflexão final e mensagem humanitária
Há lares que nascem de um ventre.
E há lares que nascem de um chamado, silencioso, profundo, inexplicável, que une almas destinadas a se encontrar.
A adoção é esse milagre jurídico e humano que transforma o acaso em família e o tempo em eternidade.
Por trás de cada processo, de cada sentença e de cada assinatura, há uma história de ausência que se fez presença, de solidão que encontrou companhia, de ferida que se transformou em amor.
Adoção é o gesto mais belo de reparação que o Direito já consagrou. Ela devolve o que a vida tirou: o direito de ser querido, de ser visto e de ser chamado pelo nome.
Clarice Lispector escreveu que “tudo no mundo começou com um sim.”
E talvez o sim mais corajoso seja aquele que alguém diz diante de uma criança que não nasceu de si, mas nasceu para si.
O amor que se torna lei
Quando o amor encontra o Direito, nasce a Justiça com rosto humano.
É o momento em que a caneta do juiz se transforma em gesto de cuidado, e o papel da sentença se torna certidão de vida.
O advogado que atua na causa da adoção não apenas defende direitos, ele defende destinos.
E o Estado, quando autoriza esse reencontro, cumpre sua função mais nobre: ser ponte entre o desamparo e a esperança.
Viktor E. Frankl ensinou que “quem tem um porquê enfrenta qualquer como.”
A adoção é esse porquê: o motivo que dá sentido à espera, ao processo, à luta.
Não é caridade, é compromisso; não é substituição, é continuidade; não é ato privado, é gesto público de amor.
O direito de pertencer
O maior direito humano é o de pertencer.
Pertencer a alguém, a um lugar, a uma história.
Quando uma criança é adotada, o mundo inteiro se reorganiza em torno desse ato.
A certidão muda, mas o essencial é invisível ao registro: o olhar que encontra abrigo, o coração que volta a bater em paz.
Hannah Arendt lembrava que “a responsabilidade é o preço da liberdade.”
E amar alguém que já sofreu é o mais alto exercício de responsabilidade, é libertar-se do egoísmo e tornar-se guardião da vida alheia.
Cada adoção é uma vitória da humanidade sobre a indiferença.
É o Direito cumprindo sua missão originária: fazer justiça com ternura.
O legado do afeto
Se o século XXI é a era dos direitos, como ensinou Norberto Bobbio, que ele também seja a era dos deveres, o dever de não abandonar, de não julgar, de não esquecer.
A sociedade justa não é a que apenas distribui direitos, mas a que protege o amor como bem jurídico inalienável.
As leis podem ser escritas em páginas, mas o amor precisa ser escrito em vidas.
E o lar que nasce da adoção é o maior texto que o Direito já produziu, redigido em lágrimas, fé e esperança.
Epílogo – A casa da vida
Um dia, o mundo compreenderá que não há crianças órfãs, há apenas corações ainda não encontrados.
E quando cada um de nós entender que também é responsável pelo destino das outras almas, o planeta inteiro se tornará um grande lar.
Reflexão final:
“O amor é o único artigo constitucional que dispensa emenda.” (Dra. Ana Igansi)
Mensagem da autora
“Quando comecei a escrever sobre a adoção, percebi que estava escrevendo sobre humanidade.
Sobre o poder que temos de reconstruir o destino de alguém com um gesto jurídico e um sentimento eterno.
Este livro é, portanto, um tributo a todas as mães e pais de coração, aos magistrados que julgam com sensibilidade, aos promotores que defendem o invisível e aos advogados que lutam pelo afeto.
Mas, acima de tudo, é um tributo às crianças, as que esperam, as que sonham, as que já encontraram seu lar.”
“O lar verdadeiro não é o endereço, é o olhar que acolhe.”
— Dra. Ana Igansi
Advogada – OAB/RS 33356
Autora e pesquisadora em Direitos Humanos e Cidadania





